Apesar da possibilidade de retomada extrajudicial de veículos financiados, o consumidor continua amparado por uma série de garantias legais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentaram o procedimento de retomada extrajudicial de veículos financiados no Brasil. Na prática, isso significa que bancos e instituições financeiras podem recuperar carros, motos e caminhões em estado de alienação fiduciária em caso de inadimplência sem recorrer à Justiça. A medida deve reduzir custos, acelerar os processos e aliviar a sobrecarga do Judiciário.
O procedimento de retomada extrajudicial de um veículo financiado só pode ser iniciado após a constatação da inadimplência do devedor, ou seja, quando quem comprou o veículo deixa de cumprir os pagamentos previstos no contrato de financiamento. No entanto, para que isso ocorra, o contrato precisa conter, de forma clara e expressa, a cláusula que autoriza a retomada extrajudicial. Sem ela, o processo segue obrigatoriamente pela via judicial. “Mais do que uma formalidade, essa cláusula de retomada extrajudicial serve de ponto de equilíbrio entre celeridade e segurança jurídica”, diz o advogado tributarista Adriano de Almeida.
Uma vez configurada a inadimplência, o próximo passo é a notificação formal do devedor, feita por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do comprador. A notificação deve conter informações detalhadas sobre o bem — como placa e número do chassi, no caso de veículos —, a descrição clara da dívida em atraso e o prazo concedido ao devedor para regularizar a situação.
Se o devedor não quitar a dívida dentro do prazo estipulado, o bem poderá ser transferido formalmente para o nome do credor — como um banco ou financeira. A etapa, chamada de consolidação da propriedade, inclui a mudança de titularidade, que é registrada no cartório competente e, quando se trata de veículos, no sistema Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Caso o devedor não entregue voluntariamente o bem nessa fase, o credor poderá recorrer aos órgãos de trânsito ou à força policial para efetuar a busca e apreensão do veículo, sem necessidade de autorização judicial, desde que os requisitos anteriores tenham sido rigorosamente cumpridos.
Apesar de a via extrajudicial ser mais ágil, o consumidor ainda possui garantias legais. Ele tem direito a ser notificado com antecedência, a acompanhar o processo pelo Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP) e a contestar irregularidades, inclusive na Justiça. Também é possível negociar a dívida com o banco antes da efetivação da apreensão. Após a retomada, o bem pode ser vendido para quitar o valor da dívida. Se a venda gerar um valor superior ao saldo devedor, a diferença deve ser devolvida ao antigo proprietário; caso o valor arrecadado seja menor, o devedor poderá ser cobrado judicialmente pela diferença.
“É uma mudança profunda na lógica da execução de garantias no Brasil. A possibilidade de retomada extrajudicial do veículo torna o processo mais ágil, menos custoso e mais eficiente para os credores — sem deixar de lado os direitos do consumidor”, afirma Almeida.
Alienação fiduciária é um tipo de garantia jurídica comum em contratos de financiamento para a compra de bens, como veículos e imóveis. Nesse formato, o devedor transfere a propriedade do bem ao credor, recuperando-a após quitar a dívida.
A regulamentação que permite a retomada extrajudicial de veículos financiados já está em vigor. Embora publicada em janeiro, sua aplicação começou 90 dias depois.
Mesmo com a agilidade do novo modelo, as garantias do devedor foram preservadas. O procedimento será monitorado pelo SERP, que permitirá ao consumidor acompanhar, em tempo real, o andamento da notificação e da eventual consolidação da propriedade. O Contran estipulou um prazo de 20 dias para cumprimento das etapas e dá suporte dos órgãos de fiscalização para efetivar o procedimento.
“Não se trata de suprimir direitos do consumidor, mas de racionalizar um processo que antes era caro e demorado. A pessoa inadimplente continuará podendo negociar, quitar a dívida de financiamento ou recorrer à Justiça, se for o caso”, ressalta Adriano de Almeida.
Especialistas acreditam que a mudança impactará positivamente o mercado de crédito, tornando-o mais acessível. Como a retomada extrajudicial reduz riscos para bancos e financeiras, isso pode significar juros menores e maior oferta de crédito, particularmente no setor automotivo. Ainda assim, consumidores precisam redobrar a atenção ao assinar contratos, principalmente em relação à cláusula que autoriza a retomada extrajudicial.
“O comprador precisa estar ciente de que, em caso de inadimplência, o veículo pode ser apreendido sem a necessidade de ordem judicial. Por isso, é essencial ler o contrato com atenção e, em caso de dúvida, buscar orientação jurídica antes de assinar”, alerta o advogado Adriano de Almeida.