A maternidade exige coragem — e quando atravessa fronteiras, idiomas e costumes, essa coragem se multiplica. É assim, entre tradições herdadas e novos aprendizados, que Taghrid Rida, 43 anos, vive a experiência de ser mãe.
Libanesa, muçulmana e mãe de quatro filhos, Taghrid é também lojista no centro de Quatro Barras, onde há mais de uma década constrói sua vida na Avenida Dom Pedro II. Desde que chegou ao Brasil, ela equilibra com delicadeza as raízes de sua cultura com os desafios de criar uma família em um país de valores e hábitos muito diferentes dos seus. Sua maternidade é feita de afeto, força e adaptação — um elo entre o que ficou e o que ainda está por vir.
Taghrid conta que o início não foi fácil. “Quando eu cheguei aqui, não falava nada de português”, relembra. Nesse processo de adaptação, teve uma aliada fundamental: a cunhada Joumara Ataya, hoje com 55 anos, que também é lojista e tem sua loja ao lado da de Taghrid. Vivendo no Brasil há mais de 26 anos, Joumara foi apoio e tradutora, ajudando Taghrid a se sentir mais segura no dia a dia. “A gente vai junto no médico, fazemos compras juntas. Quando tem alguma coisa difícil de resolver, ela me ajuda com o português”.

Dos quatro filhos, todos nascidos em solo brasileiro, dois estão se formando no ensino superior. Os mais novos, de 16 e 8 anos, ainda estão na escola. Apesar da estabilidade e tranquilidade que encontrou no país, Taghrid revela que o maior desafio foi e continua sendo a questão religiosa. A família segue o islamismo e, com isso, alguns costumes do cotidiano brasileiro se tornam fontes de estranhamento, principalmente para os filhos. “A gente não come carne vermelha por causa da religião. É difícil ir em um restaurante e encontrar comida que a gente possa comer. Acabamos cozinhando em casa quase sempre.”
O desafio se intensifica quando se trata das filhas, especialmente com relação à maneira como os jovens brasileiros vivem a adolescência. Na cultura muçulmana, quando as meninas atingem certa idade, elas passam a usar o lenço na cabeça como parte de sua identidade religiosa e respeito à tradição. E isso pode causar estranhamento nas colegas e um sentimento de diferença. “Quando minha filha mais jovem começou a usar lenço e ela se sentia diferente na escola. Ela nunca falou diretamente, mas eu percebia que era difícil pra ela ver as amigas namorando, saindo, e ela não poder fazer o mesmo.”
A religiosidade também impõe outros desafios diários, como durante o mês sagrado do jejum (Ramadã), quando crianças e adultos precisam se abster de comer e beber durante o dia. “Na escola, elem veem os colegas comendo na hora da merenda, e eles não podem. Isso é muito difícil pra eles”.
Apesar de todas essas diferenças, Taghrid afirma que nunca sofreu preconceito. “O Brasil é um país muito bom de viver. Nunca me senti discriminada. As pessoas respeitam. É tranquilo pra trabalhar, estudar, viver”. Dentro de casa, a cultura árabe segue viva: a família fala árabe entre si, mantém os costumes alimentares e religiosos. “Não deixamos a cultura se perder. É importante que nossos filhos saibam de onde vieram”.
Embora o Brasil seja um lugar diverso e acolhedor, ela diz que sente falta do país natal. “Minha maior saudade é da minha família. Tenho nove irmãos, minha mãe está lá. Meu pai faleceu. Faz cinco anos que não vou visitar. A passagem é muito cara, mas falo com eles todo dia pela internet. Antes era pior, não tinha WhatsApp, a gente ficava mais de um mês sem se falar”.
Sobre os valores que faz questão de transmitir aos filhos, ela é direta: “Educação e respeito. Ensinar que todas as pessoas merecem ser tratadas bem, independente da religião. A religião é o que muda, mas os princípios de fazer o bem são os mesmos”.
E para outras mães estrangeiras que também buscam criar os filhos em um país tão distante de suas origens, Taghrid deixa um recado cheio de empatia: “Tem que ter força e paciência. Porque viver longe da família é difícil. Mas é preciso continuar, fazer dar certo aqui. A gente veio pra isso, pra continuar uma vida aqui no Brasil”.
No seu pequeno comércio de Quatro Barras, entre tecidos, confiança e laços familiares, Taghrid segue sendo mãe em território estrangeiro. Resistente como tantas outras mulheres imigrantes, ela simboliza a fé que se adapta, mas não se curva, e o amor materno que, mesmo atravessando o oceano, continua firme, forte e presente.