Em tempos em que o mundo se despede de um dos pontífices mais carismáticos e humanos da história recente da Igreja Católica — o Papa Francisco, falecido nessa segunda-feira, 21 de abril de 2025, em decorrência de um AVC e insuficiência cardíaca —, uma história vivida por uma família de Quatro Barras, no bairro Menino Deus, ganha novos contornos de emoção e significado.
A pequena Katrina Damrat Tchaikovski, hoje com 11 anos, foi uma das raras crianças que receberam a bênção pessoal do Papa Francisco, ainda bebê, durante uma audiência pública no Vaticano, no dia 25 de junho de 2014. A lembrança atravessa os anos não só em imagens, mas na alma da família. E agora, com a morte do Papa, volta com força total ao coração de quem viveu aquele momento como algo único, sagrado e transformador.
Um gesto divino em meio a milhares
Na época, Katrina tinha apenas quatro meses. Os pais, Osvaldo Tchaikovski Junior e Hellem Luciana Damrat Tchaikovski, acompanhados da sogra e do outro filho de nove anos, estavam em viagem pela Europa. Hospedados em um local modesto perto da estação Termini de Roma, acordaram cedo para assistir à audiência papal na Praça São Pedro.

“Queríamos chegar cedo pra ficar perto da grade, mas com bebê pequeno e criança junto, nos atrasamos um pouco. No meio da multidão, mais de 30 mil pessoas, acabamos ficando num canto mais afastado”, relembra Osvaldo. Mal sabiam que, naquele canto, reservado quase como um sinal, viveriam uma das cenas mais marcantes de suas vidas.
“Quando vimos o Papa Móvel se aproximando, não achávamos que ele passaria ali. Mas ele fez uma curva e veio exatamente na nossa direção. Naquele instante, senti uma energia muito forte. Ergui minha filha nos braços, e foi quando ele olhou e pediu para parar o carro. Um segurança estendeu os braços, pegou ela e a levou até o Papa.”

O Santo Padre a pegou no colo, a abençoou com um beijo na cabeça e um sorriso no rosto. A menina foi devolvida à família pela própria multidão, como um presente devolvido pelas mãos da fé. “As pessoas queriam tocá-la, faziam o sinal da cruz. E ela ali, serena, tranquila, como se entendesse tudo.”
Fotos de vários cantos do mundo
Na época, o WhatsApp ainda nem existia. O celular não era ainda o principal meio de troca de imagens. Mas bastou algumas pessoas registrarem o momento para que a família começasse a receber fotos de todos os lugares do mundo. “Recebemos imagens de gente da Tailândia, do Chile, da Alemanha. Me pediam o e-mail ali mesmo, no meio da praça”, conta Osvaldo.
A emoção foi tanta que ele quis ligar para a mãe, no Brasil. “Paguei 99 centavos de euro por minuto para ligar e contar. Ela também não acreditava. Era tudo muito forte. Muito simbólico. Eu só chorava.”
A menina abençoada
Hoje, Katrina é coroinha de uma paróquia local e, embora não tenha lembranças conscientes do momento, carrega uma foto do encontro na carteira, como quem leva um amuleto sagrado. “Acho muito legal uma pessoa tão importante ter me abençoado. Foi uma benção que vou levar pra vida toda”, disse com a doçura de quem entende o valor do gesto, mesmo sem ter presenciado os detalhes. O pai também, além das imagens digitais arquivadas no computador, mantém uma foto do Papa com a filha pendurada na sala de casa.

Discreta, a menina diz que não costuma contar sobre a história, mas quando revela, recebe olhares de espanto e admiração. “As pessoas acham incrível. Eu também acho. Só não fico espalhando muito. Guardo pra mim.”
Quando questionada sobre o que diria ao Papa, caso tivesse outra chance, sua resposta emociona: “Acho que eu pediria perdão. E um último abraço dele”.
Uma despedida carregada de gratidão
Com a notícia da morte do Papa Francisco, o sentimento na casa da família foi de luto, mas também de gratidão. “Hoje, cedo, fui até a igreja. Só pra agradecer. Eu falei pra ele: obrigado por ter existido”, conta Osvaldo.
Para ele, o Papa representa mais do que um líder religioso: representa um homem que soube acolher, olhar nos olhos e tocar o coração das pessoas. “Esse encontro não foi só com a nossa filha. Foi com todos nós. A fé da nossa família se fortaleceu ali.”
Uma história para inspirar outras famílias
Em um momento marcado pela comoção de fiéis ao redor do mundo, a família compartilha essa história não para exaltar uma figura religiosa, mas para inspirar outras pessoas a vivenciarem a fé. “A gente tem consciência de que aquilo foi um presente raro — uma oportunidade que poucas crianças tiveram e muitas nunca terão”, afirma Osvaldo. “Mas a lição que ficou não é só sobre ter sido tocado pelo Papa. É sobre seguir os ensinamentos dele. Amar ao próximo. Ser justo. Ter fé.”
Na despedida de Francisco, a história da família se transforma em testemunho. De fé, de afeto, de esperança. Uma lembrança viva de que, em meio a tanta correria e descrença no mundo, um gesto de carinho pode ser o milagre que a gente nem sabia que precisava. “Essa história mora com a gente. E com certeza, mora com ele também, onde quer que esteja agora”, conclui.