Aos 12 anos, uma menina em São Paulo (SP) não desgruda do telefone celular, acompanhando as interações que chegam por notificações. Para ela, cada vibração do aparelho traz satisfação, especialmente com novos seguidores. Por isso, apesar da pouca idade, a jovem mantém um perfil aberto em plataformas como Instagram e Snapchat, o que permite que qualquer pessoa visualize suas postagens. Esse comportamento, contrário à orientação familiar, preocupa a publicitária Suzana Oliveira, de 41 anos, mãe da menina.
Um levantamento da empresa Unico, especializada em identidade digital, e do Instituto Locomotiva, divulgado nesta terça-feira (28), no Dia Internacional da Proteção de Dados, aponta que o caso não é isolado. Conforme a pesquisa, uma a cada três contas de crianças e adolescentes de 7 a 17 anos no Brasil está definida como “totalmente aberta”. O estudo entrevistou 2.006 responsáveis por jovens dessa faixa etária entre os dias 9 e 24 de outubro de 2024, com margem de erro de 2,2 pontos percentuais.
Entre os dados que preocupam as famílias, cerca de 47% das crianças e adolescentes aceitam ou interagem com pessoas desconhecidas em suas redes sociais. Para Suzana, a falta de controle sobre essas interações tem gerado preocupação constante. Mesmo monitorando o uso das redes da filha via aplicativos e restringindo o tempo que ela passa diante das telas, a publicitária relata conflitos frequentes. “O hábito no celular gerou crises de ansiedade, choro e mau humor. Minha filha pratica atividades esportivas regularmente, mas as redes sociais têm provocado danos à saúde dela”, revela.
Diana Troper, diretora de proteção de dados da Unico, considera alarmante o percentual de perfis abertos entre os jovens. “Essas informações disponíveis publicamente ou de fácil acesso pertencem a indivíduos mais vulneráveis e são frequentemente utilizadas para a prática de crimes e fraudes”, alerta. Ao mesmo tempo, o estudo aponta que 89% dos pais acreditam estar preparados para preservar a privacidade de dados de seus filhos, embora 73% desconheçam ações que possam resultar em vazamentos.
De acordo com a pesquisa, 75% das crianças e adolescentes brasileiros possuem perfis em redes sociais, sendo que 61% desse público compartilham informações pessoais, como fotos de si mesmos e de familiares, localizações e marcações de parentes. Além disso, 40% publicam imagens em ambientes que frequentam, e 33% postam conteúdos que incluem uniformes ou informações sobre a escola. Diana Troper observa que, pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dados publicados em perfis abertos não deveriam ser utilizados sem a devida base legal, incluindo o consentimento dos usuários. “Sabemos que fotos e informações como locais frequentados podem formar um mapa de vulnerabilidades que pode ser explorado por pessoas mal-intencionadas”, explica.
A conscientização dos jovens sobre a proteção de dados é vista como essencial pela maioria dos responsáveis entrevistados (86%). No entanto, 73% deles desconhecem como determinadas práticas podem facilitar vazamentos de informações. Entre os riscos apontados na pesquisa estão o acesso a links de procedência duvidosa, o uso de computadores públicos ou redes de wi-fi abertas, a repetição de senhas em múltiplas contas e o manejo inadequado de dados de cartões de crédito em compras online. “A conscientização e a educação digital são os pilares para proteger as futuras gerações no ambiente online”, reforça Diana Troper, que recomenda a utilização de perfis fechados para reduzir as exposições.
Em Brasília (DF), Keila Santana, 47 anos, adota uma postura firme em relação aos hábitos digitais do filho Pedro, de 13 anos. O jovem só pode usar redes sociais por duas horas diárias, limita-se ao contato com amigos e não realiza postagens. Ainda assim, o comportamento da filha mais nova, Clara, de 10 anos, também recebe atenção. “Eu cuido dela também”, diz Pedro. Para Keila, a preocupação se estende ao impacto dos conteúdos consumidos, como padrões estéticos nocivos que podem desencadear ansiedade.
Outra mãe brasiliense, Luciana Alencar, de 43 anos, manifesta receio com a quantidade de informações que seus dois filhos meninos recebem online. Ela teme que eles não apenas sejam alvo de discursos de misoginia, homofobia e preconceito racial, mas também possam reproduzi-los. “Minha luta é para que isso não aconteça. É muito difícil combater algo quando você nem sabe de onde vêm as mensagens, porque são muitos caminhos”, desabafa. Apesar disso, Ian, seu filho mais velho, garante que pretende passar menos tempo nas redes e mais tempo jogando bola e conversando com os amigos. “Perfil aberto, só presencialmente”, brinca o adolescente.