Plataformas digitais têm se consolidado como mediadoras de diversos serviços no mundo, como entregas, transporte e aluguel por temporada. Além disso, essas empresas também contratam profissionais para realizar uma ampla gama de tarefas à distância online, como atualização de bancos de dados de inteligência artificial, criação de conteúdo, apoio a vendas e serviços técnicos, entre outros. Esse modelo de trabalho já é a principal fonte de renda para seis em cada dez trabalhadores da modalidade, reforçando o comprometimento com essas plataformas.
Contudo, o relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025 revelou que essas condições de trabalho remoto enfrentam problemas significativos, como pagamentos abaixo do salário mínimo, atrasos nos repasses e contratos pouco claros. Trabalho remoto tornou-se sinônimo de precariedade para muitos profissionais, concluíram os pesquisadores da rede global liderada pela Universidade de Oxford e o instituto WZB Berlin. Avaliado em 16 plataformas e envolvendo cerca de 750 trabalhadores em 100 países, o levantamento atribuiu notas baixas: a média foi 3,5 de um total de 10 pontos permitidos.
Entre as plataformas analisadas, Amazon Mechanical Turk, Freelancer e Microworkers não pontuaram, classificadas como as piores em critérios básicos de trabalho. Já a Upwork obteve apenas um ponto, enquanto Fiverr e Remotasks marcaram dois pontos. As empresas mencionadas não comentaram os resultados. Apesar de o setor ter movimentado cerca de US$ 557 bilhões em 2024, com perspectiva de crescimento para US$ 647 bilhões em 2025, apenas quatro entre as 16 plataformas puderam comprovar o pagamento de ao menos um salário mínimo local aos profissionais.
Uma das maiores críticas do relatório é direcionada às falhas no pagamento. Segundo o levantamento, um em cada três trabalhadores afirmou que deixou de receber serviços realizados ou foi remunerado em cartões-presente, obrigando as pessoas a leiloarem esses créditos para transformá-los em dinheiro. “Gostaria de poder receber meu dinheiro em minha conta bancária em vez de cartões-presente”, afirmou um entrevistado da Nigéria, identificado como “turker”. As plataformas, em sua maioria sediadas no norte global, enfrentam dificuldades para efetuar pagamentos direto a trabalhadores de outras regiões.
“Procuramos dados, evidências e informações de que as plataformas estão pagando o salário mínimo, mas só encontramos isso em quatro das 16 plataformas”, explicou Jonas Valente, coordenador do relatório e pesquisador no Oxford Internet Institute. Ele ainda destacou que, em dois desses casos, as empresas possuem políticas explícitas que determinam que não podem pagar abaixo do salário mínimo local. Segundo Valente, contratos pouco detalhados agravam a situação, prejudicando os trabalhadores. “No caso de plataformas, muitos contratos não são claros. Trabalhadores no Brasil, onde muitos não dominam outros idiomas, podem não entender o que podem ou não fazer, como serão pagos e as condições para suspensão ou desligamento das plataformas”, analisou o pesquisador.
Além dos problemas contratuais, a pesquisa apontou preocupações com saúde e segurança. Um caso citado no documento foi o de uma trabalhadora peruana, cientista social, que desenvolveu problemas graves de visão após longas jornadas na frente do computador. Ela chegou a realizar uma cirurgia na retina, sem suporte algum da plataforma, e acabou sendo desligada do serviço. A trabalhadora recebia entre US$ 10 e US$ 15 por hora e trabalhava entre seis e nove horas diárias, muitas vezes durante madrugadas.
O relatório destaca que o trabalho remoto, além de dificultar a organização sindical e fiscalização, exige regulação urgente. “Precisamos que os governos e órgãos reguladores responsabilizem as plataformas, seja por estruturas globais, leis de due diligence ou diretrizes de trabalho em plataforma”, defendeu Jonas Valente. Sem uma ação coordenada, alertou ele, milhões de pessoas continuarão em condições de trabalho inseguras e mal remuneradas. No Brasil, Jonas destacou a importância do Projeto de Lei 12/24, que deveria contemplar todos os trabalhadores de plataformas digitais, e não apenas motoristas do transporte privado.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) também acompanha o problema por meio do Projeto Plataformas Digitais, recebendo denúncias sobre descumprimento de leis trabalhistas no setor. Para Rodrigo Castilho, procurador e gerente do projeto, “há uma precarização grande no Brasil”. Ele mencionou violações como jornadas extenuantes, ambientes inadequados e a ausência de direitos básicos como férias e 13º salário. “A gente vive em uma sociedade capitalista, mas um componente ético nas relações sociais é imprescindível. Não é aceitável que trabalhadores sejam explorados para garantir lucros exorbitantes às empresas”, comentou Castilho.
Desde 2023, a Fairwork tem fornecido apoio às plataformas para que adotem padrões mínimos de trabalho justo, resultando em 56 melhorias, como contratos mais claros e maior transparência na resolução de disputas. No entanto, as mudanças ainda não abrangem todo o setor. Das 16 plataformas investigadas, apenas três — ComeUp, Scale/Remotasks e Translated — responderam ao estudo, reconhecendo déficits e comprometendo-se a melhorar. As demais não apresentaram comentários, entre elas Fiverr, Appen, Upwork e Amazon Mechanical Turk.
O projeto Fairwork conclui que, sem uma regulação sólida e estrutural executada tanto em âmbito nacional quanto internacional, as condições de trabalho continuarão precárias para um setor que já atinge cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, conforme estimativa do Banco Mundial.