Cerca de 1,4 milhão de estudantes brasileiros estão matriculados em escolas públicas sem fornecimento de água tratada, essencial para o consumo. Os dados são do estudo “Água e Saneamento nas Escolas Brasileiras: Indicadores de Desigualdade Racial a partir do Censo Escolar”, divulgado esta semana. A pesquisa foi elaborada pelo Instituto de Água e Saneamento e pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), com base no Censo Escolar da Educação Básica de 2023, conduzido pelo Inep.
As escolas avaliadas foram classificadas como predominantemente negras, predominantemente brancas ou mistas, de acordo com a composição racial de seus estudantes. O levantamento revelou que a chance de um aluno estar em uma escola de predominância negra sem acesso a água potável é cerca de sete vezes maior do que em uma escola de predominância branca. Do total de 1,2 milhão de estudantes sem acesso básico à água potável, 768,6 mil estão em escolas predominantemente negras; 528,4 mil, em escolas mistas; e 75,2 mil, em escolas predominantemente brancas.
Além disso, aproximadamente 5,5 milhões de estudantes frequentam escolas sem qualquer abastecimento de água pela rede pública. Entre eles, 2,4 milhões estão em escolas predominantemente negras, 260 mil em escolas majoritariamente brancas e 2,8 milhões em escolas mistas. Em relação aos serviços de saneamento como banheiro, coleta de lixo e esgoto, as condições também são desiguais. Mais da metade (52,3%) dos alunos de escolas predominantemente negras não têm acesso a pelo menos um desses serviços básicos, contra 16,3% nas escolas predominantemente brancas.
O conselheiro do Cedra e professor da UFSC, Marcelo Tragtenberg, destacou o impacto dessa realidade na saúde e na aprendizagem. “Isso tem impacto direto na saúde e impacto no aprendizado, através da saúde”, afirmou. Ele também ressaltou as desigualdades intragrupos. “Estudantes negros em escolas majoritariamente brancas estão nas que têm as piores infraestruturas. Já os estudantes brancos que frequentam escolas negras estão nos estabelecimentos com a melhor infraestrutura entre essas instituições. Existe essa duplicidade de desigualdade racial”, explicou.
A pesquisa também apontou que 14,1 milhões de estudantes estão em escolas não conectadas à rede pública de esgoto. Dentre eles, aproximadamente 6 milhões estão em escolas predominantemente negras, 1,2 milhão em escolas de maioria branca, e o restante em escolas mistas.
A ausência de banheiros afeta 440 mil estudantes, sendo 135,3 mil deles matriculados em escolas predominantemente negras, 38,3 mil em escolas brancas e 266 mil em escolas mistas. Já a falta de coleta de lixo atinge 2,15 milhões de estudantes, distribuídos em 30,5 mil escolas. Entre esses alunos, 955,8 mil estão em escolas predominantemente negras, 59 mil em escolas majoritariamente brancas e 1,1 milhão em escolas mistas.
O levantamento também lançou luz sobre a situação das escolas predominantemente indígenas, que apresentam índices de saneamento preocupantes. Entre os 360 mil estudantes indígenas matriculados em escolas públicas, 60% estão em unidades sem abastecimento de água, 81,8% sem rede de esgoto, 54,7% sem coleta de lixo, 15,7% sem acesso a água potável e 14,3% sem banheiros.
O estudo reforça a necessidade de políticas públicas que levem em conta as desigualdades raciais e regionais. “Não adianta só pensar em universalização”, afirmou Tragtenberg. “Ao não considerar a equidade racial, sempre se vai privilegiar as escolas mais privilegiadas e os estudantes de raça branca. É importante ter um recorte de equidade.”
Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022 complementam o cenário: 33 milhões de brasileiros não tinham acesso ao abastecimento público de água, 90 milhões não estavam conectados à rede de esgoto e 1,2 milhão viviam sem banheiro em casa, sujeitando-se à defecação a céu aberto.
Por fim, a pesquisa ressalta que ainda existem lacunas na coleta de dados raciais. Apesar de avanços desde 2004, cerca de 25,5% dos estudantes em 2022 não declararam cor ou raça no Censo Escolar, o que equivale a um em cada quatro estudantes.