O governo federal está promovendo mudanças significativas no processo para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A proposta, que será colocada em consulta pública nos próximos dias, elimina a obrigatoriedade de aulas práticas mínimas, priorizando uma prova mais rigorosa para avaliar a capacidade dos candidatos. O objetivo é permitir que cerca de 20 milhões de pessoas que atualmente conduzem veículos sem habilitação no Brasil possam se regularizar, com foco especial em motociclistas, afirmou a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). “O que existe no modelo de hoje é uma barreira de entrada que empurra essas pessoas para a informalidade. A proposta é dar acesso e cobrar desempenho na prova. Quem souber, passa. Quem não souber, não passa”, explicou Adrualdo Catão, secretário nacional de trânsito, em entrevista exclusiva.
Atualmente, o custo médio para obter a CNH varia entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, incluindo taxas de autoescolas (que abrangem o curso teórico e as 20 aulas práticas obrigatórias), exames médicos e psicológicos. Com as mudanças sugeridas, as autoescolas passariam a ser facultativas, diminuindo o custo total para valores entre R$ 750 e R$ 1 mil. Segundo a Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto), o simples anúncio da proposta já resultou na queda no número de matrículas em todo o país.
A nova política coloca o exame prático como filtro principal, transferindo para o candidato a responsabilidade pela própria formação. A exigência de 20 horas mínimas de prática deixa de existir, cabendo ao interessado decidir quantas aulas fará – inclusive nenhuma – antes de realizar o teste. “O cidadão é quem decide. E a prova será mais exigente. Não é para ser difícil apenas por ser difícil, mas para avaliar domínio do veículo e noção de segurança. Hoje, muitos passam só com o controle básico do carro ou da moto”, destacou Catão.
Entre os aspectos propostos, está a realização dos testes de direção em vias públicas – conforme já previsto pela lei – e a substituição do sistema atual de faltas eliminatórias por pontuações graduais, reduzindo o nervosismo do candidato e privilegiando seu desempenho técnico. Outro ponto relevante é a possibilidade de realizar o exame em veículos com câmbio automático, caso seja essa a opção do candidato. Da mesma forma, se optar por aulas, poderá escolher o tipo de transmissão do carro usado no treinamento.
O curso teórico permanece obrigatório, mas poderá ser feito gratuitamente em uma plataforma online no site da Senatran, dispensando aulas ao vivo e custos extras. “Vamos oferecer uma plataforma gratuita para o curso teórico. Não precisa ser síncrono, como as autoescolas sugerem, para não gerar mais custo. O cidadão vai estudar no seu tempo e fazer exercícios, e o sistema consegue controlar a presença. Isso já é usado em universidades, por que não no trânsito?”, reforçou o secretário. Alternativamente, candidatos poderão realizar as aulas em autoescolas ou escolas públicas dos Detrans. Para quem já frequentou instituições que incluíam educação no trânsito, a etapa teórica poderá ser dispensada.
Outra mudança significativa está relacionada aos exames médicos, que poderão ser realizados fora das clínicas atualmente credenciadas aos Detrans, visando reduzir custos e evitar monopólios.
Contrariando temores de que as autoescolas possam ser extintas, o governo destaca que elas continuarão existindo, mas com funções e estruturas mais flexíveis. Instrutores, por exemplo, poderão trabalhar de forma independente, desde que credenciados junto ao Detran e qualificados pela Senatran. “Hoje o instrutor precisa obrigatoriamente estar vinculado a uma autoescola. Isso cria reserva de mercado. A gente vai liberar o instrutor para atuar de forma independente”, explicou Catão. Veículos utilizados no treinamento precisarão estar identificados, mas sem obrigações como duplo comando ou ano mínimo de fabricação.
Catão também criticou o modelo atual, que considera restritivo e propício à concentração de mercado. “As autoescolas têm exigências absurdas. Têm que ter sala com quadro de medidas específicas, número mínimo de carros, estrutura física cara. Mas a realidade é que nunca tentaram reverter isso, pois cria barreiras de entrada.” As mudanças permitirão que escolas de condução operem com mais liberdade, utilizando carros automáticos e oferecendo pacotes customizáveis, o que pode baratear custos e fomentar a concorrência.
A proposta tem gerado polêmicas, principalmente quanto à possibilidade de candidatos realizarem a prova prática sem terem feito aulas formais. O secretário rebate as críticas, argumentando que o foco é regularizar quem já conduz veículos, mas fora da conformidade legal. “A maior parte dos condutores não habilitados hoje já dirige, e com alto risco, porque está fora do sistema, sem receber pontos na CNH por suas infrações.”
As mudanças serão implementadas exclusivamente por via administrativa, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional, uma vez que as normas para formação e avaliação estão estabelecidas em resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e não em leis federais. No entanto, o setor das autoescolas já articula ações para contestar a proposta, incluindo a mobilização de parlamentares e solicitação de audiências públicas.
A consulta pública sobre as mudanças será aberta em breve, com duração de 30 dias. Uma vez concluída, a proposta será submetida à votação no Contran, que inclui representantes de Detrans, municípios, usuários e governo federal. “Tudo está dentro da nossa governança. Não precisa de projeto de lei. A gente ouviu os Detrans, estamos ouvindo os instrutores e vamos aprimorar a proposta com base na consulta”, concluiu Catão.
Por fim, o secretário questionou as críticas ao novo modelo, especialmente sob o argumento de que o Brasil já enfrenta um trânsito caótico. “Você está dizendo que o trânsito já é um caos – então, será que não é por causa disso? A gente está aumentando o número de acidentes, enquanto a taxa de novos habilitados está caindo. Isso mostra que o modelo atual pode estar falhando”, refletiu. Para ele, a iniciativa busca trazer formalidade e segurança a um sistema que hoje já conta com milhões de condutores não habilitados, especialmente motociclistas, que citou como o foco principal da inclusão.