O aumento dos gastos com apostas esportivas em plataformas online, conhecidas como bets, está afetando o consumo de mercadorias e serviços, especialmente entre as classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo. Esse fenômeno interfere na percepção da melhora da economia brasileira, com impacto no aumento da renda, no crescimento da ocupação e no controle da inflação.
Essa avaliação foi feita pela PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, vinculada à multinacional de auditoria e assessoria PricewaterhouseCoopers. O economista e advogado Gerson Charchat, sócio e líder da Strategy& do Brasil, destacou que os gastos com apostas esportivas “já superam outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e produtos pessoais, e até mesmo estão começando a impactar o orçamento destinado à alimentação. Esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da economia de forma geral.”
As apostas esportivas ganharam força no Brasil após a aprovação da Lei n.º 13.756, sancionada pelo então presidente Michel Temer no final de 2018. Desde então, os gastos com apostas cresceram 419% até 2023.
Charchat alertou para o crescimento expressivo das apostas esportivas, que se tornaram uma fonte significativa de despesas, especialmente entre os jovens de classes sociais menos favorecidas. “O fenômeno pode gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda, o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país.”
Uma análise da Strategy& do Brasil, baseada em dados secundários, apontou que a percepção de dificuldades financeiras entre a população aumentou cinco pontos percentuais entre 2022 e 2024. Atualmente, um quinto dos brasileiros afirma ter dificuldades para pagar suas contas todos os meses, ou não consegue pagá-las na maioria das vezes.
Renda comprometida
Ainda não há informações precisas sobre o número de empresas que administram plataformas de apostas no Brasil ou sobre o volume de dinheiro movimentado nesse setor. Esses números só serão conhecidos após as bets receberem autorização do Ministério da Fazenda para operar comercialmente como modalidade lotérica de apostas de quota fixa, e começarem a pagar tributos.
A Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) já havia apontado os impactos e efeitos das apostas na economia. Segundo pesquisa de opinião realizada pela entidade em maio, 64% dos apostadores reconhecem que usam parte de sua renda principal para jogar; 63% afirmam que tiveram parte de sua renda comprometida com as apostas online; e 23% deixaram de comprar roupas, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e beleza, e 11% deixaram de cuidar da saúde e de comprar medicações.
A economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), afirmou que “o problema escalou” e, além dos impactos econômicos, há erros na regulamentação, além de efeitos sociais e na saúde mental da população que não foram estimados.
“Hoje a gente já tem uma realidade de suicídio, de destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego porque já envolveram tudo que tinham. De doenças mentais extremamente graves por conta dessas dependências, que leva a outra, quer dizer: a pessoa se endividou, e se perdeu, vai do jogo para o álcool, do álcool para as drogas e para o suicídio,” relatou Ione Amorim, que já palestrou sobre os impactos das apostas online, inclusive para as Forças Armadas.
Na opinião da economista, a vulnerabilidade das classes mais pobres é ampliada pela desinformação e pelas condições sociais que tornam as apostas uma opção arriscada e atrativa para tentar obter recursos e quitar compromissos.
Ione alertou que “o ganho fácil vai levar a pessoa a um ambiente onde pode haver perdas significativas,” ressaltando que as apostas são geridas por sistemas com algoritmos. “A pessoa está jogando contra uma máquina que foi programada. Então, ela vai ganhar eventualmente, mas vai perder muito mais do que vai ganhar.”
PL 2234
Ione Amorim acrescentou que os impactos econômicos, sociais e de saúde mental causados pelas plataformas de apostas esportivas online podem ser amplificados com a aprovação do Projeto de Lei n.º 2.234/2022, que tramita no Senado e autoriza a exploração de cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalo em todo o Brasil.
A aprovação do PL, assim como a lei que legalizou as apostas online, é defendida com o argumento de que os negócios podem gerar empregos, renda e tributos para financiar políticas sociais. No entanto, nos cinco anos em que as plataformas eletrônicas de apostas estão em funcionamento, nenhum imposto foi arrecadado.
A arrecadação começará após a autorização para exploração comercial concedida pelo Ministério da Fazenda. A permissão será concedida mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União, após avaliação técnica e legal. O prazo para obtenção da permissão é até o final do ano.
A contabilidade dos defensores da legalização dos jogos não considera as perdas tributárias em outros setores devido ao aumento dos gastos com apostas, nem o aumento das despesas do Estado com segurança pública e atendimento à saúde mental.
Foto: Joédson Alves / Agência Brasil.