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Cuba além dos cartões-postais: miséria, medo e fome no paraíso caribenho

Viajar a Cuba é testemunhar com os próprios olhos a distância brutal entre a beleza natural e o terror social imposto por décadas de socialismo. A ilha de 109.884 km², a maior do Caribe, encanta à primeira vista com suas praias deslumbrantes, ruas históricas e seus icônicos carros antigos. Mas basta atravessar o verniz turístico para que a realidade se imponha: miséria, repressão, insegurança, abandono e desigualdade marcam o cotidiano da população.

O salário mínimo oficial gira em torno de 15 dólares mensais. Produtos básicos como leite, carne bovina, presunto, iogurte, medicamentos, produtos de limpeza e sucos simplesmente não existem na rotina da maioria. O pão, limitado a uma unidade por pessoa, é entregue diretamente nas mãos dos consumidores, sem qualquer embalagem ou cuidado sanitário.

Nos mercados, a cena é desoladora: longas filas, prateleiras praticamente vazias, ausência de itens básicos. Em uma padaria que visitei, apenas quatro garrafas de óleo ocupavam a estante. Não havia leite, carne, sabão, nem sacolas para carregar o que se comprasse.

Táxis, barcos, ônibus, hotéis e locadoras pertencem ao Estado. Os motoristas de táxis trabalham de segunda a sábado, das 8h às 23h, recebendo o mesmo salário irrisório, enquanto todo o valor das corridas é repassado ao governo. Além disso, todos os veículos possuem monitoramento por GPS e microfones ocultos, registrando não apenas a localização, mas também as conversas dos motoristas com os passageiros, a fim de detectar críticas ao regime.

A moeda cubana, o peso (CUP), é praticamente uma ficção. Embora o governo estabeleça um câmbio oficial, na prática o dólar é a moeda que move a economia. O valor de um dólar pode variar entre 120 e 350 pesos dependendo do lugar. Comerciantes preferem, sempre que possível, receber diretamente em dólar, deixando claro que o peso perdeu totalmente seu poder real de compra.

Em Havana, a degradação urbana é visível em cada esquina. Nas áreas centrais, ainda existe uma tentativa de manutenção estética para os turistas, mas basta caminhar duas ou três quadras para encontrar ruas esburacadas, prédios abandonados, lixo espalhado, esgotos a céu aberto e, após o anoitecer, um breu assustador pela falta de iluminação pública.

Quase todas as casas possuem grades nas janelas e portas, reflexo da insegurança crescente. A suposta igualdade social propagandeada pelo regime contrasta brutalmente com o abandono das famílias, que vivem em meio a ruínas, fome e medo.

Durante a viagem, conversei com inúmeros moradores. Uma guia turística, que chamarei aqui de Ana, formada e Doutora em Matemática, relatou que abandonou sua carreira universitária porque o salário como professora era incapaz de garantir sua sobrevivência. Sem filhos, Ana hoje trabalha como guia turística, vivendo basicamente das gorjetas dos turistas.

Cuba Além Dos Cartões-Postais: Miséria, Medo E Fome No Paraíso Caribenho
Foto: Vinícius Brandão. Quase todas as casas possuem grades nas janelas e portas, reflexo da insegurança crescente

“Hoje, se não fossem as gorjetas, eu não teria como comer,” desabafou.

A dependência das gorjetas é generalizada. Nos restaurantes, é comum grupos musicais entrarem para tocar ao vivo, sem cachê fixo, sobrevivendo apenas do que conseguem arrecadar dos clientes. Conheci músicos como Rafael, um violinista idoso, aposentado, que, mesmo assim, precisa trabalhar todos os dias para complementar a renda. Sem gorjetas, não conseguem sobreviver.

A tristeza no rosto da população é visível. Enquanto caminhava pelo centro histórico, um senhor chamado Carlos, varredor de rua, me pediu um boné para se proteger do sol escaldante. Dei a ele o meu boné, bordado com a frase “BORA VIVER”. Emocionado, Carlos contou que seu salário mensal era de 3.500 pesos cubanos, algo em torno de 14 dólares.
“Aqui, a gente sobrevive. Viver, não,” completou com um olhar que dizia mais que as palavras.

Em outra conversa marcante, um homem chamado Ismael me disse:
“Os turistas não veem o que realmente somos. Eles não percebem a tristeza do nosso povo. Nós somos um povo triste. Sofremos calados.”

As abordagens nas ruas são constantes. Uma delas foi especialmente marcante. Um casal simpático, que chamarei de José e Mariela, aproximou-se perguntando as horas. Depois começaram a puxar conversa, elogiando minha altura e dizendo que eu parecia um jogador de basquete. Apesar de minhas tentativas de encerrar o diálogo, insistiram em continuar falando sobre trivialidades.

Quando perceberam que eu procurava um restaurante específico, disseram que aquele local estava fechado devido a uma suposta contaminação na água. Aproveitando a oportunidade, disseram que conheciam outro restaurante, do mesmo proprietário, e se ofereceram para me levar até lá — reforçando que não queriam nada em troca.

Chegando ao restaurante indicado, percebi de imediato o contraste: um ambiente simples e assustador, sem qualquer semelhança com o restaurante que eu buscava. José rapidamente induziu um funcionário do restaurante a confirmar a história da contaminação, tentando dar veracidade ao golpe.

Cuba Além Dos Cartões-Postais: Miséria, Medo E Fome No Paraíso Caribenho
Foto: Vinícius Brandão. Em Cuba, as abordagens nas ruas são constantes advindas de moradores que buscam dinheiro para suprir as necessidades diárias de se alimentar.

Sentei-me em uma mesa, fingindo que pediria algo. Pouco depois, o casal sugeriu que eu pagasse um drink para eles, alegando estar comemorando 15 anos de casamento e dizendo ter dois filhos. Aceitei. Então mudaram o discurso, pedindo que, ao invés do drink, eu ajudasse comprando um pacote de leite. Entreguei 10 dólares, mas José insistiu que seriam necessários 17 dólares. Agradeci, recusei a nova cobrança e consegui, educadamente, despistá-los.
Mais tarde, de longe, vi o casal abordando outros turistas com a mesma estratégia dissimulada.

Esses pequenos golpes são reflexo da desesperança e da necessidade extrema que impera entre os cubanos comuns.

Um aspecto cultural que chama atenção é a liberdade de fumar em praticamente todos os ambientes internos — bares, restaurantes e até hotéis. Para quem é fumante, como minha esposa, essa liberdade foi vista de forma positiva. Contudo, a ausência de qualquer política de vigilância sanitária nessa questão mostra mais um retrato do improviso estrutural do país.

Realizei também um tour de carro antigo — um Chevrolet Bel Air de 1957 — percorrendo o Capitólio, o Paseo del Prado, a Praça da Revolução, o bairro de Miramar e o Vale de Viñales. Apesar da beleza arquitetônica e natural, o que mais chamou atenção foi o cenário de abandono: prédios deteriorados, lixo espalhado, pedintes nas praças, ruas escuras e perigosas após o pôr do sol.

Em conversa com Miguel, um amigo cubano que hoje mora no Brasil, compartilhei tudo o que presenciei. Sua resposta foi contundente: “Sim, meu caro amigo. É muita desigualdade. Já está na contramão do que se propuseram. Creio que tudo foi proposital: controlar o povo através da miséria generalizada. Hoje vejo com outros olhos. Bom que pessoas como você puderam conhecer de perto. A esquerda brasileira quer algo assim aqui.”

E acrescentou: “Estou desde 2014 convencido de que não voltaria mais a morar em Cuba. Já faz nove anos que não piso na ilha. Minha família, que ficou lá, sofre diariamente com as carências e misérias.”

Essa é a verdadeira face de Cuba: uma terra de belezas estonteantes e sofrimento silencioso. A propaganda de igualdade e sucesso socialista não resiste ao primeiro olhar atento. Cuba é um país onde a liberdade morreu sem aplausos, onde a dignidade humana é sacrificada em nome de um regime que alimenta fome, medo e miséria como instrumentos de controle.

Eu não ouvi dizer.
Eu vi.
Eu vivi.
E é impossível esquecer o que se sente diante da verdade que tanto tentaram esconder.

Sobre o autor

Vinícius Brandão é jornalista graduado pela Faculdade Social da Bahia, com passagem pela TV Aratu, TV Câmara, Jornal do Sindicato dos Bancários e SBT. Especializou-se em textos jornalísticos, fotografia publicitária e jornalismo em vídeo para TV, tendo sido proprietário de uma produtora de vídeo voltada para o pós-venda. Atualmente, é empresário da hotelaria como sócio-proprietário da Rede Bem Bahia de Hotéis, presidente da CDL de Porto Seguro, diretor estadual da ABIH-BA e membro do Conselho Municipal de Turismo de Porto Seguro. Além disso, é estudante de Direito pela FACMED.

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