Alguns dias após a confirmação de um caso de gripe aviária em uma granja de Montenegro (RS), o setor de alimentos ainda não calculou o impacto exato dos embargos impostos por outros países. Especialistas apontam possíveis efeitos, como queda no preço do frango no mercado interno e desafios logísticos no armazenamento das aves.
André Braz, especialista em política monetária e inflação do FGV Ibre, explica que, com a interrupção de parte das exportações, o excedente de aves pode ser redirecionado ao mercado interno, o que pode diminuir os preços. “Os criadores sabem que o excesso de aves no mercado pode provocar uma queda abrupta no preço. Isso não vai pagar os custos de criação dos animais. Se o novo mercado é não exportar, eles também não vão criar muitas aves, vão dimensionar a criação para limitar quedas nos preços. Isso porque, para criar essas aves, eles precisam investir em rações”, afirmou Braz.
De acordo com Antonio da Luz, economista-chefe da Farsul (Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul), a redução no preço ao consumidor seria temporária, já que o ciclo de produção das aves é curto, variando de 30 a 40 dias até o abate, e os produtores rapidamente se ajustariam à nova demanda. “O mercado interno vai ficar abastecido como sempre esteve. Num primeiro momento, vamos ter um desequilíbrio, isso vai ter que ser reorganizado dentro da economia brasileira. […] Mas ninguém vai tirar totalmente o pé do acelerador porque logo logo a gente vai estar exportando de novo”, destacou Luz.
O preço do ovo, que já registra alta acumulada de 12,32% nos últimos 12 meses até abril, de acordo com o IPCA, também é afetado. Segundo Felipe Vasconcellos, sócio da gestora Equus Capital, o embargo pode pressionar a indústria a adaptar cortes pouco demandados, como pés de galinha, amplamente exportados à China. “Isso vai exigir um pouco de criatividade e ajuste na indústria. Eventualmente, o pé pode virar ração animal. […] Um percentual do frango produzido pelo Brasil, que seria exportado, vai ter que ser comido por alguém”, explicou Vasconcellos.
Ricardo Santin, presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), destacou os desafios logísticos gerados pelas suspensões e o impacto na cadeia produtiva, responsável por processar 25 milhões de aves por dia. “Esse fluxo é muito bem azeitado e funciona com 25 milhões de aves por dia. Já tem tudo certinho. Quando tem uma ruptura de alguns elos dessa cadeia, você tem que readequar”, afirmou Santin.
Neste sábado (17), Uruguai, México e Chile somaram-se à lista de países que suspenderam as importações de frango e ovos do Brasil após a confirmação do caso de gripe aviária em Montenegro (RS). O embargo soma-se às decisões de Argentina, União Europeia e China, anunciadas na sexta-feira (16). Esses países foram responsáveis por US$ 2,8 bilhões em compras de frango e ovos do Brasil em 2024, 28% do total exportado pelo país. A China é o principal comprador, representando US$ 1,2 bilhão, ou 13% do total.
Cerca de 1,7 milhão de ovos foram destruídos no Rio Grande do Sul por precaução, segundo o departamento de agricultura do estado. O Ministério da Agricultura rastreou ovos para incubação vindos da granja de Montenegro e determinou sua destruição em Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, mesmo não havendo comprovação de contaminação com o vírus. Em Minas Gerais, o governo descartou preventivamente 450 toneladas de ovos fecundados oriundos do estado gaúcho.
O primeiro registro da gripe aviária em uma granja comercial no Brasil eliminou o status de único grande produtor mundial livre da doença. Cerca de 17 mil aves morreram na granja em Montenegro, muitas por contaminação pelo vírus H5N1, e outras foram abatidas como medida de controle. O Ministério da Agricultura informou que as exportações para países sem embargo continuam normalmente. Japão, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Filipinas, por exemplo, restringiram as compras apenas ao município de Montenegro, permitindo a comercialização de produtos de outras regiões brasileiras.
As medidas restritivas adotadas por países como China e União Europeia estão alinhadas a cláusulas contratuais que suspendem importações automaticamente no caso de qualquer registro de gripe aviária, como forma de proteção sanitária.